O pequeníssimo furo

1 dezembro 2025

Saí de casa cedo, num desses sábados que ainda não decidiram se vão ser apenas nublados ou chuvosos. A estrada estava quieta, e a minha Vision — mesmo a perder ar há dias — parecia contente por alongar as pernas até à MotoVeiga.

Quando cheguei, os portões ainda estavam fechados, mas já havia um cliente à porta, à espera. Há uma camaradagem muda em quem madruga por uma mota — e isso é sempre familiar. Pouco depois apareceu o Luís, que nos abriu os portões com um “bom dia” tão convicto que quase empurrou o sol para cima do céu. Entrei com a Vision, expliquei-lhe o que se passava com o pneu traseiro e, enquanto ele tratava do registo, subi ao andar de cima — começa a ser rotina, esta pequena subida sempre que a Vision precisa de atenção.

Gosto daquele piso superior. Tem vendedores, escritório, boutique, e uma energia que mistura o cheiro a café com o brilho dos modelos expostos. Cumprimentei o Sr. Manuel, o patrão, que me devolveu o sorriso animado de quem reconhece uma cara que apareceu por engano num sábado fechado — e que volta agora, como combinado. Falei com a Cátia na boutique sobre produtos, acessórios e sobre o blogue. Dei-lhe um porta-chaves A Minha Honda e, num daqueles gestos que aquecem o dia, ela ofereceu-me um produto para cuidar da Vision e uma t-shirt dos 75 anos da MotoVeiga. Fiquei grato.

Depois sentei-me num sofá entre casacos e capacetes, a olhar demoradamente para as motas expostas. Todas prontas para histórias que ainda não começaram. Andaria em qualquer uma — claro que andaria — mas já não finjo que não sei onde está a minha casa. A felicidade, a minha, está na Vision: leve, simples, prática e mais sincera do que parece à primeira vista.

Estava nesse embalo contemplativo quando recebi a chamada da oficina. Desci as escadas para ouvir o diagnóstico, e a verdade é que o suspense ficou resolvido num instante: um furo minúsculo, tão pequeno que quase se desculpava por existir. Uma peça de metal, ainda presa ali, tinha feito a ferida. Nada de jante empenada, nada de vedação defeituosa, nada de mau presságio. Apenas um daqueles acasos da estrada que só se revelam quando alguém se debruça sobre eles com atenção.

Levaram o taco ao pneu e, com isso, levaram também a incerteza que me acompanhava há dias. Saí de lá com a Vision pronta para voltar a ser Vision: inteira, firme, contente. Regressámos a casa serenos, como quem volta ao ponto onde a história queria chegar desde o início.

Agora descansa na garagem, à espera da próxima saída, de novo a brilhar — não debaixo da chuva, mas daquele brilho discreto de quem sabe que a estrada continua lá fora, pronta para ser percorrida.