Sementes

Eu uso porta-chaves como sementes.
Dou a quem simpático se apresenta na minha vida, a quem se cruza comigo num corredor de loja ou na rua sem saber que, naquele instante, me está a regar o dia.
A maioria das pessoas fica primeiro surpreendida. Um reflexo breve nos olhos — “é para mim?” — como se a cidade já não tivesse o hábito de oferecer nada que não traga código QR ou prazo de validade. Depois, quase sempre, surge um sorriso que não estava previsto na lista de compras. E eu fico com a sensação de que, naquele pequeníssimo intervalo, fiz qualquer coisa parecida com plantar.
Não é publicidade. É só uma vontade de devolver o que a Vision me dá todos os dias: esta leveza de circular, de parar, de reparar. De ver um gesto e não o deixar passar.
Há quem ande com moedas no bolso para o estacionamento. Eu ando com porta-chaves na minha bolsa ao ombro. E, quando sinto que alguém merece a pequena surpresa, deixo cair um nas mãos dessa pessoa — como quem oferece uma flor improvável, sem perfume mas com intenção.
A verdade é que fiz apenas cinquenta. Cinquenta pequenos gestos prontos a serem entregues quando a cidade, por instantes, se abre. Uma edição limitada — não de objetos, mas de encontros.
Às vezes penso que, se a cidade fosse um canteiro, estes brindes seriam as minhas tentativas de semear qualquer coisa que resista ao betão: um micro-acontecimento, um fio de simpatia, um lembrete de que ainda há espaço para o gratuito.
E sigo caminho.
A Vision acalma o motor.
O porta-chaves seguinte espera — talvez numa fila de supermercado, talvez noutro terreno fértil qualquer.