A picada e a picanha
Já andava a dizer à minha mulher que devíamos experimentar a picanha de um restaurante de Sequeira. Hoje, finalmente, deu-se o momento. Propôs-me que fosse buscar dose e meia — o que, traduzido do dialeto doméstico, significa: “traz a mais, que se sobrar fica para amanhã.” Levei.
O céu estava coberto de fumo vindo dos incêndios. Não se via sol, mas sentia-se bem: Braga ia nos 40 graus, talvez mais. A certa altura, já não sabia se estava a viver numa cidade do Minho ou numa versão low-cost do Saara. E lá fui eu, todo contente, rumo ao vale de Sequeira, debaixo daquele bafo, buscar picanha e uma garrafa de vinho branco fresquinho.
A Vision, coitada, lá aguentava a torreira sem se queixar. Eu idem. O que ninguém contava nesta história foi a vespa. O inseto. Que me espetou o ferrão no pescoço a meio do caminho, como se me dissesse: “Almoço? Também quero.” Ainda olhei de esguelha para ver se não era uma Vespa, a scooter, a tentar marcar território.
Noutras vidas já teria ficado com o pescoço em formato de papoila inflamada, a tomar anti-histamínicos e a googlar “sintomas vespa asiática”. Mas talvez a convivência com a Vision me esteja a imunizar. Ou talvez a adrenalina da picanha fizesse efeito placebo. A dor foi real, sim senhor, mas a dignidade manteve-se e o espírito não vacilou. Dois carros iam à frente como que a derreter em hesitações de calor — punho a fundo, passei por eles como quem passa por cima da má sorte.
Chegado a casa, dor ainda a pulsar, cobri a mota com o lençol do costume. Missão cumprida. Garrafa intacta, carne no ponto. À medida que carregava tudo até à cozinha (sem partir nada nem entornar o líquido, que é o mais importante), a dor ia ficando para trás. Quase como se a Vision tivesse feito terapia em andamento.
No fim, fiquei sem saber se tinha sido sorte, resistência ou a mota que me curou. Ou talvez tenha sido o vinho branco.