Um lençol contra o sol

À porta do meu trabalho, três motas partilham o calor do mesmo cimento.
Uma Monkey azul de catálogo — reluzente, rara, imóvel como um enfeite de vitrina.
Uma Peugeot vermelha, a minha ex-companheira, agora nas mãos do Marcos. Está sempre ao sol, impávida, talvez com saudades minhas ou simplesmente indiferente à passagem do tempo.
E depois há a minha Vision.
Não é uma mota de pose. É uma mota de rota.
E como todas as coisas que realmente usamos, também ela precisa de cuidados práticos — não de luxos. Por isso, todas as manhãs, antes de entrar no edifício onde passo o dia, monto-lhe uma espécie de tenda. Um velho lençol às riscas, preso com molas da roupa, que improvisa uma sombra onde não há telhado.
À distância, talvez pareça um estendal ambulante. Uma barraca de praia em descanso. Ou até um fantasma de verão, branco às riscas, a assombrar o parque de estacionamento. Ou será uma caravana do deserto?
Mas a verdade é que, entre as três motas, a minha é a única com direito a sombra.
Pode ser uma sombra torta, feita de pano de casa e engenho de pobre, mas é sombra.
É cuidado.
É teimosia contra o desgaste lento do sol.
É uma pequena dignidade que ofereço à máquina que me leva e me traz, que me livra dos engarrafamentos e me dá aquele sopro de liberdade mesmo quando o dia promete ser só trabalho.
A Monkey do Hildebrando fica a grelhar, como se não se importasse.
A Peugeot do Marcos já está habituada, talvez.
A minha Vision descansa à sombra daquilo que posso — e talvez isso diga mais sobre mim do que sobre ela.
Porque onde não há abrigo pensado, inventa-se um improvisado — com molas da roupa e um lençol com história.
E, às vezes, a liberdade começa mesmo por aí: por uma mola da roupa e um lençol com riscas de verão.