O poder dos sonhos

A minha mesa de cabeceira está cada vez mais confusa. Não pelo caos — que é pouco — mas pela estranha convivência que tem acontecido ali: o relógio que insiste em lembrar-me que já passa das dez, a garrafa com o logótipo do blogue que mora sempre ali, e aquela luminária Honda que acende o quarto com a mesma convicção com que uma criança acende uma lanterna debaixo dos lençóis para continuar a ler.
Não é uma instalação improvisada — é intencional. Uma pequena arquitetura nocturna pensada para dar luz sem a ferir, uma claridade doméstica que me deixa ver o quarto sem me arrancar ao descanso.
Às vezes, antes de adormecer, fico a olhar para a asa luminosa. Há quem se entretenha com néons de bar, eu tenho uma luminária da Honda. Dizem que é a marca do “poder dos sonhos”. Eu, que nunca dei grande importância a slogans, começo a perceber que há frases que só se revelam quando caem no sítio certo — geralmente ao lado da almofada.
Porque ali, naquela fronteira entre vigiar e adormecer, é quando tudo se simplifica: a Vision que dorme no lugar onde a deixei, a casa em silêncio, e eu a pensar que talvez os sonhos não sejam coisas etéreas e distantes, mas pequenas luzes que decidimos acender nos lugares mais inesperados. Como se o futuro dependesse disso: de um brilho discreto no canto do quarto.
A verdade é que a Honda deve ter exagerado quando escreveu a frase. O poder dos sonhos não é tão épico quanto parece. Não move montanhas — mas move-me a mim, que já é trabalho suficiente. Empurra-me para escrever mais uma crónica, escolher o próximo destino de fim de semana, ir verificar a pressão dos pneus (outra vez), ou simplesmente lembrar-me de que a vida melhora quando a olhamos com a mesma ternura com que olhamos para um objeto que nos diz quem somos.
Talvez seja isso: antes de adormecer, olho para a luminária e penso que, se houver mesmo algum poder nos sonhos, é este — o de iluminar suavemente as coisas que ainda não fiz, mas que me apetece começar amanhã.
E adormeço assim.
Com a sensação tranquila de que, no fundo, a minha Honda está sempre por perto — mesmo quando desligo a luz.