As marcas da chuva

Hoje disseram-me, com ironia, que estava um bom dia para andar de mota.
Chovia a sério — não era chuva miúda, era água grossa, decidida, a cair em diagonais. O tipo de chuva que faz pensar duas vezes antes de sair, e uma terceira antes de parar.
Sorri, claro. Porque a mota não pergunta pelo tempo, e há dias em que o corpo vai, mesmo que o céu diga que não. A estrada ganha reflexos novos, os carros levantam cortinas de água, e cada travagem é um pequeno ato de fé. Ainda assim, há uma certa limpeza nisto: o mundo reduzido ao som da chuva e ao motor constante a rasgar o cinzento.
Tenho-a lavado menos, é verdade. Mas também, para quê? Com semanas assim, a limpeza dura pouco e o brilho evapora antes de secar. Mais vale deixá-la estar — marcada, honesta, pronta para o que vier. A Vision traz no corpo o mapa dos últimos dias: ruas molhadas, desvios rápidos, travagens cuidadas.
Cada mancha é uma lembrança: passei por ali, cheguei, voltei.
E amanhã, se chover outra vez, que venha — há marcas que valem a pena repetir.
Afinal, é sempre melhor dia para andar de mota do que de carro.