A mercearia da dona Cila

Anoitece cedo, com a hora de inverno e os dias cada vez mais curtos. As idas à mercearia perto de casa são deliciosas. É uma viagem breve, mas o pretexto ideal para tirar a Vision da garagem.
E depois há a dona Ercília Ferreira — a dona Cila — que tem sempre assunto e conversa para mim, e um lugar vago à porta para a minha Vision.
Podia pensar-se que uma mercearia de bairro serviria apenas para compras rápidas. Acontece o contrário: aqui as compras são sempre demoradas. A tertúlia instala-se com naturalidade. O estacionamento é complicado para os carros, mas não para a Vision, que entra no espaço com a complacência da dona Cila. Muitas vezes é ela própria a puxar de um saco para facilitar o transporte e a trazê-lo até à mota.
O assunto da conversa é sempre uma incógnita. Não é como no barbeiro, onde o futebol surge invariavelmente; aqui é sempre uma surpresa. E depois, não há nada como o comércio tradicional para um atendimento próximo — aquele tempo disponível para parar e conversar, que nas grandes superfícies já se perdeu.
Regresso a casa já noite fechada, quase sempre com atraso. A cidade abranda, e eu trago comigo o rumor leve da conversa e o cheiro da mercearia.