Um cipreste em outono

18 outubro 2025

O trajeto fez-se em silêncio, com a serenidade das manhãs de outono que ainda guardam a frescura da noite. A estrada quase deserta, o mundo a recompor-se devagar. Havia no ar um sossego que combina bem com a ideia de votar cedo — antes de o dia se distrair com outras urgências.

Cheguei ao pavilhão desportivo poucos minutos depois de abrirem as urnas. À porta, apenas um punhado de pessoas, como se a democracia também precisasse de tempo para acordar. Tem sido sempre ali que voto. Não o associo a desporto, embora tenha formato de ginásio: para mim é uma espécie de santuário laico, onde cada um deposita o que tem de mais íntimo — a escolha.

A minha mulher estava na mesa três, já em funções. Vi-a ao longe, concentrada, sem se aperceber da minha presença. Hesitei em aproximar-me. Há deveres que é melhor não interromper, mesmo quando o coração o pede. Segui então para a mesa um, onde o meu nome me costuma colocar. Tudo decorreu com naturalidade, sem filas, sem pressa. Gosto do toque do papel — áspero, mas cheio de significado.

Fui sozinho, sim, mas nunca me senti só. Com quase dois mil quilómetros de Vision, sinto que o som do motor é companhia bastante. O que se ouve ao desligá-lo é quase tão importante como o que se ouve quando arranca: um silêncio cheio, terapêutico, que convida à respiração.

De carro teria ficado lá atrás, à procura de lugar. De mota cheguei até junto do portão. Há pequenas vantagens que acabam por ser grandes — a liberdade de parar onde se quer, de ir direto ao ponto, de não complicar.

Olhei o cipreste erguido por trás da vedação e percebi que talvez fosse essa a imagem justa do dia: um traço vertical a rasgar o céu, firme e solitário, como cada voto que se escreve em silêncio. A democracia também é isto — o instante em que alguém, no meio da rotina, pára, respira e escolhe.

Depois voltei a ligar o motor. O ruído breve trouxe-me de volta ao mundo, e à estrada.