Primeiro serviço

A estreia não tardou. A minha mulher, que tantas vezes olha para a mota com cepticismo, foi desta vez a responsável por me lançar à estrada. Já a hora ia adiantada, a fome apertava, e ela pediu-me:
— Vai buscar o jantar… mas leva a mochila.
Disse-o com um sorriso, daqueles que misturam a alegria de quem acredita no blogue com a urgência de quem acredita no estômago. O pedido era claro: hambúrgueres. E assim, com todos de acordo, lá seguimos eu, a Vision e a mochila, rumo à missão.
A noite caía depressa, os dias já encurtam. Enquanto descia Ferreiros, entrou também na rotunda uma PCX com mochila da Glovo. Os aromas no ar não enganavam: era a hora do jantar e cada mota parecia perseguir o seu destino gastronómico.
Cheguei ao restaurante e estacionei com pompa. Entrei pela frente, mochila às costas, alças refletoras a anunciar-me como paramédico de fast food. No quiosque, elaborei o pedido com uma solenidade exagerada, como se a integridade da missão dependesse disso. Paguei como um vulgar cliente, mas sentia-me em “serviço”, pronto para salvar um lar inteiro da fome.
Havia uma mesa reservada a home delivery. Pois bem, esperei junto a ela. Quando finalmente o pedido ficou pronto, pedi licença a quem se atravessava, e usei aquela mesa como se fosse minha por direito. Home delivery? Deve ser comigo. Acondicionei quatro menus quentes e respetivas bebidas frias com cuidado quase cirúrgico. Era o primeiro teste real: chegar com o quente ainda quente e o frio ainda frio.
A Vision, cúmplice e firme, não desapontou. Acelerámos noite dentro com a urgência de quem carrega mais do que hambúrgueres. Ainda cruzei com outra PCX, agora da Bolt Food, que me acompanhou até à entrada do bairro. Depois segui sozinho, reta longa à frente, cheio de foco e pompa, como se a dignidade da refeição dependesse da minha condução.
Cheguei a casa e entreguei o jantar. Missão cumprida.
Não ganhei gorjeta, mas ganhei o sorriso da minha mulher. E isso, convenhamos, paga o serviço.