Moto-táxi conjugal

O carro da minha sogra serve muitas vezes de veículo de substituição — quando outro se avaria ou, por qualquer motivo, não pode circular. Nessas ocasiões, a minha mulher costuma devolver-lho e regressar a casa a pé.

Foi então que vi uma oportunidade para mudar o guião. Liguei-lhe como quem não quer a coisa, perguntando se não queria boleia — omitindo, claro, o pormenor de que seria de mota. O domingo estava solarengo, desses que convidam à rua, e a Vision ainda repousava à sombra da garagem. Soava-me a pretexto perfeito para a dupla afinada sair à estrada, não para transportar comida, mas para fazer de moto-táxi familiar.

Pelo caminho, uma menina que seguia num carro acenou-me. A Vision é uma mota simpática: não assusta crianças. À chegada, o telemóvel começou a tocar; buzinei, e quando a minha mulher olhou, percebeu logo. Nenhum ar de surpresa — apenas aquele meio sorriso de quem já desconfiava.

Enquanto aguardava por ela, pousei os dois capacetes em cima do banco. Quando chegou, pegou no dela e subiu sem rodeios, como quem aceita um convite inevitável. Arrancámos. O trânsito fazia-se sentir, mas nada que a Vision não resolvesse. Em andamento, deparámo-nos com um evento que decorria, e a minha mulher comentou, apercebendo-se dele — pormenores que se percebem quando se circula de mota. Andar de mota é isso mesmo: ver o mundo de outra forma, tocando-o com o olhar, sentindo a cidade de perto.

Já no regresso ao bairro, desviámo-nos da tampa danificada — aquela mesma sobre a qual já escrevi — e a Vision lá se esforçou na subida final. Chegámos a casa sem sobressaltos.

Notei na minha mulher entusiasmo à chegada. Para forçar um comentário mais claro, perguntei-lhe o que achou da viagem. Disse-me que teve frio. Que eu devia ter-lhe levado um casaco. Acrescentou, meio a rir, que o que lhe valeu foi eu ser largo e assim ter servido de corta-vento. Curioso como o discurso muda: antes não devia ir de mota; agora devia era levar um casaquinho. Casaquinho esse que, entretanto, já me indicou onde está guardado — para uma próxima.