Expulsa da garagem

29 outubro 2025

Foi numa noite húmida, destas em que o ar parece colar-se à pele e à pintura metálica. A minha Vision dormiu debaixo da varanda, expulsa da garagem pela minha mulher.

Ali ficou, encostada à parede, entre um vaso de barro e uns restos de fita laranja a dizer beware. A casa já com enfeites de Halloween, e ela, a Vision, a fazer parte da decoração sem querer: o brilho vermelho a refletir a luz do candeeiro, as gotas de chuva como purpurina fora de época.

Havia qualquer coisa de dignidade na sua paciência. Enquanto a garagem se enchia novamente de tralha, ela aceitava o exílio com a mesma serenidade de quem já viu piores invernos. A varanda tornara-se um pequeno porto, um limbo entre o lar e a rua.

Oito dias antes do Halloween, a minha mota passou a noite disfarçada de estátua. E talvez tenha sido o disfarce mais honesto de todos: imóvel, silenciosa, à espera de voltar a mover o mundo.

No fundo, somos parecidos — ela e eu. Também me acontece ser posto de parte quando o quotidiano precisa de espaço. Fico quieto, a olhar o tempo, até que alguém se lembra de que a ordem, às vezes, é só uma maneira de disfarçar o caos.

Na manhã seguinte, a claridade devolveu-lhe o brilho e o barulho do motor devolveu-me a vontade de sair. O vaso continuou no mesmo sítio, e a fita beware balançava ao vento — talvez com o único aviso verdadeiro: cuidado com quem acredita que pode guardar tudo dentro de casa.