Castanhas à altura

Saí num dia de transição. O outono ainda se mostrava solarengo, com um calor tardio que confunde as folhas. No andamento da Vision, o vento vem ao meu encontro — fresco, limpo, e com aquele aroma seco que anuncia mudança.
O caminho mais curto talvez fosse o mais rural, a contornar a cidade. Mas preferi o misto: o urbano com sabor a campo. Desço a Rua de Caires, subo Andrade Corvo, passo diante do Arco da Porta Nova e espero o sinal verde nos Biscaínhos. A cidade gira comigo. Sigo pela Variante de Real e, já em Frossos, viro para Mire de Tibães — onde o cimento cede lugar às árvores e os muros voltam a ser de pedra.
A minha mulher? Encontrei-a no final da manhã, a trocar a roçadoura pelo balcão. O almoço esperava-nos. Falámos, claro, de castanhas — as que ela apanhara de manhã, e as que eu ajudaria a apanhar de tarde. Eram gordas, lisas, quase perfeitas, daquelas que parecem escolhidas para fotografia de catálogo. Mas estas eram nossas, colhidas com o vento a levantar folhas e a fazer tombar novos ouriços.
É nestes gestos simples que se fazem as nossas terapias de casal: ela coberta de pó, folhas e ervas; eu sacudido pelo vento do trajeto. Não precisamos de mais nada.
E assim, entre castanhas e risos, lá sacudi também o pó da Vision — pó de um outono seco que pedia chuva, água-pé e conversa longa. A Vision conhece bem o caminho do supermercado. O céu acinzentou-se, o vento ganhou força — e lá dentro, entre as prateleiras, a água-pé, claro, esgotou-se.
Melhor assim. Veio vinho do bom, para se beber devagar, à ceia, enquanto lá fora a noite se adensava e a chuva ameaçava.
As castanhas, essas, estiveram à altura. A Vision também.