A vigília silenciosa

27 outubro 2025

Há quem durma com a janela entreaberta para ouvir o mar.
Eu, às vezes, aguardo pelo sono a espreitar o ecrã — a minha janela digital para a garagem.

Lá está ela, imóvel, tranquila, como se o tempo tivesse parado ao redor.
A câmara cumpre o seu papel: vigia.
Mas eu, do outro lado, não vigio tanto a segurança — é mais o sossego.

De dia, a imagem é nítida, colorida, quase banal — um retrato realista do repouso.
À noite, porém, tudo se transforma.
A visão noturna entra em cena e o mundo encolhe para duas cores: preto e branco.
O refletor parece aceso, mas não está.
É apenas o reflexo dos infravermelhos — o olhar mecânico da câmara a inventar uma presença.

Há algo de comovente nessa inversão:
a câmara desperta, o motor adormecido, e eu algures entre ambos — a meio caminho entre a ternura e a paranoia.

Às vezes, abro a aplicação sem saber bem porquê.
Não é desconfiança — é saudade.
Há dias em que não ando com ela, e o simples gesto de a ver ali, no ecrã, basta-me.
Como se olhar fosse quase montar.

Curiosamente, a câmara, feita para afastar ladrões, acabou por aproximar-me dela.
Deixou de ser um instrumento de vigilância e tornou-se um elo invisível — um farol entre o meu quarto e a garagem.
Olho a mota para confirmar que está bem,
mas o que me sossega é perceber que ainda sou eu que a olho, e não o contrário.

Há um certo humor nisto: usar tecnologia para descansar o espírito e acabar a contemplar pixels.
Às vezes, parece que é ela quem me vigia — com aquele brilho falso no refletor.
Mas sei bem que é apenas luz refletida, uma presença feita de ausência,
a ilusão perfeita de quem não dorme só porque alguém a vê.

E assim seguimos, os três: eu, a mota e a câmara.
Um trio improvável, ligados pela ideia de movimento mesmo quando nada se mexe.
No ecrã, o tempo fica suspenso.
No escuro, há uma luz que não é luz — e um olhar que não é humano.
E, ainda assim, tudo parece vivo.