A linha verde do Minho

11 outubro 2025

Há estradas que não precisam de estar na moda para nos pedirem quilómetros sobre elas. A EN201 é uma dessas. Rasga o Minho a meio, como a EN2 rasga Portugal de norte a sul. É feita de contrastes: pequenos negócios à beira da estrada, indústrias discretas, casas de pedra já velhas, quintas com muralhas cobertas de musgo, natureza verdejante, montanhas que parecem eternas — até ao momento em que as pedreiras começam a devorá-las sem cerimónia, logo depois de Ponte de Lima.

A partida fez-se apressada. Havia um compromisso à espera no destino, mas não é todos os dias que a Vision se prepara para ultrapassar a centena de quilómetros no mesmo dia. Quis o destino que, no mesmo dia em que a minha scooter se esticava para bater recordes de distância, a Honda publicava também uma fotografia nossa nas suas redes. Como se as duas viagens — a virtual e a real — se cruzassem num mesmo instante.

Saí de Braga após o almoço, com o depósito cheio, e deixei a cidade pela Ponte de Prado. A travessia foi breve mas simbólica: aquela ponte romana, robusta e serena, contrasta com os paralelos soltos que hoje nos sacodem o corpo. No entanto, há ali qualquer coisa de ritual: como se a ponte nos desse passagem para outro tempo.

A estrada começa a mostrar-se logo ao entrar no distrito de Viana do Castelo: retas suaves, casas alinhadas, campos cultivados. A paisagem tem o cheiro dos pinhais e dos eucaliptos, esse odor familiar que mistura frescura com resina quente. Mas a certa altura, mais do que cheiros, o que se sente é a vontade de curvas. A estrada chama por nós.

A Vision, que muitos consideram apenas uma urbana, mostrou aqui outra faceta. Mantém-se com dignidade nas nacionais: velocidade cruzeiro aceitável, recuperações sem vergonha, capacidade para segurar a dianteira mesmo quando a estrada se faz ambiciosa. Não é um relâmpago, mas também não precisa de o ser. O mérito dela está em ir, sempre, sem hesitar.

Em Ponte de Lima não houve paragem. Atravessei a ponte como quem faz uma promessa: “um dia volto”. As Feiras Novas estavam à porta e o rio refletia já uma certa antecipação. Mas naquele dia não era o momento.

A serra ergue-se depois. A estrada ganha inclinação, a Vision ronca um pouco mais grave, como se entrássemos numa sinfonia mecânica. Cada subida é uma prova, mas também uma celebração. O motor, ao acelerar, canta. E eu canto por dentro com ele.

Romarigães surge com a calma de um postal. Casas de pedra, floreiras nas janelas, gado que caminha devagar na berma, indiferente à pressa humana. Depois, a descida para Rubiães abre-se generosa, e há uma sensação de que estamos a ser recebidos pela estrada em vez de apenas passarmos por ela.

O destino era a minha casa de campo. Quando cheguei, percebi: a Vision não é só citadina. Também sabe ser rural. No meio das árvores, junto aos muros antigos e ao silêncio quebrado apenas pelos galos, a minha scooter parecia tão natural como o gado que pasta.

O regresso trouxe outras surpresas. As curvas, que antes foram desafio, tornaram-se vício. A certa altura encontrei uma roulote de churros e farturas, entediada junto à berma. Pensei que talvez fosse um bom pretexto para parar, mas a estrada chamava mais alto. A Vision parecia pedir mais velocidade, mais entrega. E eu obedeci.

Dias depois, ainda me lembro do som. Não é um som de escape aberto ou de motor raivoso. É o ronco justo, contido, que só se ouve quando estamos atentos. Esse som que se entranha no corpo e, mesmo em silêncio, continua a rolar cá dentro como se a viagem ainda não tivesse terminado.

A EN201 não é apenas uma estrada. É um fio que cose memórias, que une cidades e campos, que transforma uma scooter urbana em viajante do interior. E foi nela que a Vision me mostrou, quilómetro após quilómetro, que o seu território é maior do que parecia.