Astronauta de PVC

A previsão prometia gotas nas próximas horas, nuvens carregadas no horizonte. Perguntaram-me três vezes — três pessoas diferentes, em sítios distintos — se eu ia vestir o fato de chuva.
É curioso: nunca me perguntam se já almocei, se dormi bem ou se tenho gasolina. Mas se o céu ameaça pingar, logo surge a questão fatal: “Vais de fato de chuva?”
O fato de chuva tem esta particularidade: não é bem roupa, é um disfarce. Cada vez que o visto, deixo de ser um tipo de mota e passo a parecer um astronauta de PVC, pronto a descolar da rotunda em direção a Saturno.
Para quem vê de fora, é ridículo. Para quem vai dentro, é quase heroico. Não nos protege do mundo inteiro, mas salva-nos do pior.
Não sei se me perguntam isto frequentemente por cuidado, por pena, ou por acreditarem que andar de mota à chuva é sinal de maluquice. Talvez, no fundo, a pergunta traga uma esperança secreta: a de que, desta vez, eu me renda ao carro, esse templo seco com estofos fofinhos e rádio integrado.
Mas o carro não me serve. O carro protege, isola, deixa-me seco. A mota, mesmo com chuva, deixa-me no mundo — gotas na viseira, calças a colar, o frio a entrar pelas luvas. É incómodo, sim, mas eu vou na minha mota, molhado ou vestido de astronauta. Porque há algo de libertador em enfrentar a cidade sem cúpula de vidro.
O fato de chuva é só um pacto de compromisso: não me livra da água toda, mas adia a rendição. Pôr o fato é aceitar que vou continuar, mesmo que o céu se vire contra mim. É quase uma bandeira discreta que digo a mim mesmo: “Hoje também não desisto.”
Quem me pergunta se visto o fato de chuva não está a pensar na roupa: está a medir a fronteira entre o conforto e a teimosia. Entre quem se adapta ao tempo e quem se deixa moldar por ele.
A chuva não molha apenas a estrada. Molha também o olhar dos outros.
E se chover, que chova. No fim de contas, o PVC também tem o seu charme interplanetário.