Não sou bicicleta, mas também não mordo

Era só um saco de terra vegetal e um regador. Uma missão pequena, de verão, à Leroy Merlin de Braga. Nada que pedisse marcha atrás ou rota de GPS. A Vision e eu — dupla afinada — chegámos com o sol ainda por cima das prateleiras de toldos e mangueiras.
À entrada da loja, reparei num espaço pintado de azul. Um rectângulo no chão, com um boneco de bicicleta e outro... diferente. Tinha mais corpo, mais espelho, mais escape. Diria até: mais atitude. Como quem diz: "não sou pedal, mas também não sou cavalo."
Ao lado, um sinal vertical — branco, limpinho — anunciava "Parque bicicletas". Só bicicletas. Nenhuma menção a motas, a scooters, nem sequer a trotinetes mais ambiciosas.
Fiquei ali parado, à sombra do poste, feito adolescente à porta de um clube onde os símbolos decidem quem entra. No chão, pareço incluído. No poste, sou excluído. No código da estrada? Nem uma coisa nem outra.
Nem o chão nem o poste sabem ao certo quem sou — ciclista de motor, andarilho de 110cc, infiltrado nos lugares reservados às certezas urbanas.
A Vision 110 é uma criatura sem nação. Ligeira demais para se afirmar no reino dos carros, motorizada demais para ser bem-vinda no território das bicicletas. Não faz barulho suficiente para assustar, nem silêncio suficiente para passar despercebida. É apenas aquilo que é: uma scooter. Com carteira, matrícula, seguro, e uma vontade pacífica de estacionar sem incomodar.
Ainda assim, quis confirmar. No dia 27 de Julho, escrevi à loja — formulário no site, tudo certinho. Já passaram doze dias e nem um "Obrigado, recebemos o seu contacto". Só uma mensagem de "envio com sucesso" que, confesso, soa cada vez mais a "envie e esqueça".
Talvez estejam a decidir se sou ciclomotor ou usurpador. Talvez estejam a pintar outro boneco no chão. Ou talvez, como tantos outros espaços da cidade, também este não saiba muito bem o que fazer connosco: os do meio. Os que não encaixam.
Mas fui, comprei a terra vegetal, o regador, e regressei pela Rua do Motor sem Código, com a sensação de que a Vision é a minha casa — mesmo quando os lugares não o são.