Esta mota também faz compras

O Continente Bom Dia é o supermercado mais próximo da minha casa. É também o lugar onde deixo parte do meu salário e, não raro, o odor da gasolina ainda quente quando encosto a Vision junto aos carrinhos. Mas não há lugar para ela. Literalmente.
A minha mota, como tantas outras, é invisível no desenho do parque. Não há sombra, nem traço, nem sinal que diga: aqui cabe um corpo leve de duas rodas.
No dia 29 de junho escrevi-lhes um e-mail. Educado, curto. Pedi-lhes um pequeno gesto: um espaço reservado para motas, com sombra. Não pedi alcatifa nem carregadores USB. Só um abrigo modesto, como os que já existem noutros supermercados — no Mercadona, por exemplo, onde os motociclistas não são tratados como intrusos no passeio.
A resposta chegou rápida, com referência e tudo. Um número bonito: 89153933. Disseram que iam analisar, que a sugestão ia seguir para quem decide. Esperei. Esperei como quem estaciona ao sol e vê os espelhos a ferver.
Um mês depois, decidi perguntar se havia novidades. Deram-me outra referência: 90127874. E tentaram ligar-me — não atendi, estava a trabalhar. Voltei a ser contactado por e-mail. A mesma simpatia, a mesma ausência de resposta concreta. Agradecem, registam, asseguram que analisam. É uma forma de cobertura, sem sombra.
Talvez estejam de facto a estudar o caso. Talvez um dia chegue o toldo. Mas, por agora, continuo a encostar a Vision como um andarilho sem destino fixo, entre as linhas vagas de um parque que não me vê.
Ela também faz compras. Também carrega sacos. Também tem direito a sombra.
E eu, que às vezes só queria ir buscar um litro de leite sem ser empurrado para o passeio, vou continuando — entre um supermercado e outro, à procura de lugar.