Preciso de… pão (ou não)

Domingo à tarde. A casa está calma, quase a flutuar naquele limbo entre o almoço e o jantar, onde o tempo parece que se espreguiça no sofá.
A minha mulher está no modo zen, de pantufas nos pés e telemóvel na mão, a navegar entre reels e receitas de salmão no forno com crosta de amêndoa. Eu, por outro lado, estou num conflito interno digno de uma tragédia grega.
Quero — não, preciso — sair de mota.
Nem que seja só até à rotunda.
Nem que seja só para ouvir o motor a suspirar sob o meu comando.
Mas como justificar isso?
“Preciso de gasolina.”
Não pega. Enchi o depósito há dois dias.
“A farmácia!”
Também não. Estamos abastecidos até à próxima pandemia.
“Vou ao supermercado buscar pão.”
Possível… mas temos pão.
“Vou só dar uma volta para arejar a cabeça.”
Altamente suspeito. A cabeça está perfeitamente arejada (ou talvez demasiado…).
Penso. Reflito. Finjo estar a ler as notícias no computador, mas na verdade, estou a construir o argumento perfeito. Algo entre o dramático e o convincente, com um toque de responsabilidade civil.
Minutos depois, já estou de capacete posto e coração leve.
O motor ronrona como um gato mimado.
A rua está vazia, a luz ao final do dia espalha-se em tons dourados pelas fachadas, e uma brisa suave acaricia-me o pescoço enquanto rolo devagar.
Não há destino.
Só o prazer de andar.
E, sinceramente, talvez precise mesmo de comprar pão.
Ou não.