Missão: cenouras e anti-ervas

Na sexta-feira ao jantar, a minha mulher disse apenas:
— Preciso de cenouras.
Assim mesmo, sem verbos auxiliares nem explicações. Um enunciado flutuante, deixado no ar como quem não quer nada — ou como quem quer tudo. Não me disse que fosse eu. Não disse para ser já. Limitou-se a semear a frase, como quem atira migalhas ao caminho de um pardal que se finge distraído.
Ora, esse pardal era eu. E mal ouvi “cenouras”, os meus olhos brilharam como faróis baixos num entardecer doméstico. Havia ali uma janela de oportunidade. Um pequeno corredor de liberdade com destino à mercearia, ao comando da minha Vision. Fingi ponderar, fingi protestar, mas lá fui. A culpa era das cenouras. Claro!
No sábado, repetiu-se o milagre, mas com menos romantismo e mais eficácia:
— Preciso que vás comprar um material de jardinagem para o meu trabalho de amanhã. Assim não preciso de sair e ganho tempo.
Disse isto com ar profissional, como se me estivesse a delegar uma função vital da ONU. Mas eu percebi. Era a segunda parte da prenda. Sexta, um recado sentimental; sábado, um encargo logístico. Em ambos os casos, com um destino em duas rodas.
Foi assim que, nessa manhã soalheira, parti para o Leroy Merlin com um mapa de missão no bolso e uma ansiedade adolescente nos pulsos. A única dúvida era: será que isto cabe na mota?
“Isto” era uma malha anti-ervas — um rolo preto, cilíndrico, discreto como um tapete de ninja — que acabaria deitado na plataforma onde coloco os pés. De cada lado da mota, o rolo sobressaía como se na Vision tivessem crescido antenas ou estivesse pronta para lançar torpedos. Pousei os pés em cima dele e segui viagem assim, com um ar muito convicto, como se fosse a coisa mais normal do mundo circular com meia estufa aos pés.
Ninguém perguntou nada. Nem deviam! A cidade está habituada a figuras mais estranhas... E além disso, eu estava feliz. Havia uma lógica secreta naquela combinação de gestos: a logística da casa a cruzar-se com o prazer de conduzir. Uma falsa tarefa, um verdadeiro passeio. E no meio disto tudo, a silenciosa ternura de quem me conhece bem o suficiente para saber que às vezes o que preciso é só… de um pretexto.