Estafeta de mim mesmo
Fim de semana em modo caseiro. O sol espreita, a mota chama, e a vontade de sair é tanta que até as árvores dos vizinhos parecem estar a provocar. Não para ir trabalhar nem para caminhar, como os normais. A ideia era nobre, estratégica… quase poética. Eu precisava de um motivo credível para andar de mota. Resultado? Pedi à minha enteada que me encomendasse uma mochila de estafeta, daquelas à Glovo, com o único objetivo de criar um motivo para sair de casa com a Vision. Não, não vou fazer entregas. Vou buscar jantares e compras… com estilo.
Chegou o momento, amigos. Um homem, uma mota… e um plano absolutamente genial. Ou desesperado. Ainda não decidi.
Sim, meus caros… uma mochila. Mas não uma mochila qualquer. Uma que dissesse: “Estou ocupado. Estou em missão. Transporto calor e felicidade em caixas de piza.”
Tudo começou na tarde do passado domingo, daquelas em que o sofá te cola à vida com tanta força que te esqueces do que é ter joelhos. Senti o apelo da estrada — não aquele épico, cinematográfico, com música dos U2 em fundo. Não. Era mais um “eh pá, tenho de sair de casa senão viro parte da mobília”.
Foi então que tive a epifania: se os estafetas andam de mota todos os dias, faça chuva ou trovoada, porque não eu? Não para trabalhar, credo — que ideia tão arrojada — mas para... parecer que sim.
E assim nasceu o plano: encomendar uma mochila daquelas de entregas, grande, quadradona, tipo Glovo ou Uber Eats. Uma daquelas que grita “em serviço!” mesmo quando estás só a ir buscar um kebab à rulote do Popeye.
Então, disse à minha enteada:
— Vê lá se me arranjas uma mochila de estafeta.
Ela, já com o pragmatismo familiar, limitou-se a perguntar:
— “Já viste as dimensões? Não é grande demais?”
Ora… isso agora! Que importam as dimensões quando se trata da liberdade? Da aventura? Do sushi take-away de domingo?
Eu mantive a pose racional:
— “O tamanho não é standard?”
Como se eu entendesse do assunto.
Só mais tarde, entre um “ahhh” e um emoji a rir às gargalhadas, ela entendeu a seriedade da coisa. É a chave para o meu plano de fuga dos domingos em pijama. Do take-away ao take-off!
Porque, convenhamos, sair de mota com uma mochila dessas dá-te logo um ar ocupado. Importante. Utente das rotundas com missão. Até a polícia te vê com respeito. Ou pena. Mas isso não importa.
O mais irónico é que a mochila ainda nem chegou… e eu já estou a esfregar as mãos. Já me vejo a estacionar em frente ao restaurante com pose de quem tem uma app a gritar “ENTREGA URGENTE EM 12 MINUTOS!” — quando, na verdade, vou buscar duas bifanas e uma garrafa de 7UP.
O plano vai mais longe: supermercado? Vou de mochila. Farmácia? Mochila. Ir levar a reciclagem? Mochila. Só para justificar sair de casa com a Vision como se estivesse a salvar o mundo — um take-away de cada vez.
A mochila está a caminho. Uma verdadeira caixa de Pandora em nylon térmico. Já me imagino a sair de casa ao estilo do estafeta mais empenhado do bairro, mesmo que o destino final seja… o restaurante a dois quilómetros. O empregado olha para mim e pergunta:
— “Uber Eats?”
E eu:
— “Não… é para consumo próprio. Mas quero manter a comida quente e a dignidade intacta.”
Há quem compre drones, há quem adote cães. Eu encomendei uma mochila para justificar os meus passeios de scooter. E queres saber? Vai resultar! Já ando a planear “entregas” fictícias para cada dia da semana:
Segunda: pastel de nata.
Quarta: um frango de churrasco… mesmo que seja só meio.
Sexta: farmácia, porque os ben-u-ron também merecem transporte digno.
Domingo: ir buscar... inspiração. (Ou pão quente.)
E quando alguém perguntar “Mas andas a fazer entregas agora?”, vou responder com um sorriso e um ar misterioso:
— “Faço entregas… de mim para mim.”
E a minha mulher? Ainda não sabe. Mas quando souber, espero que veja a beleza do plano… Espero que seja tocada pela logística. Tocada pelo amor:
— Ao menos já trazes as coisas quentinhas.
No fundo, é isto: a velhice não começa quando os cabelos ficam brancos. Começa quando tens uma agenda alheia pendurada ao pescoço e precisas de inventar desculpas com acessórios para sair de casa. A mochila vai ser a minha desculpa ambulante. O meu alter ego. O “estafeta de mim mesmo”.