Entre semáforos e silêncios

20 julho 2025

Ontem, rasguei a cidade de mota. Não com pressa, nem com destino urgente. Apenas eu, a cidade e esse silêncio que às vezes nasce entre o barulho.

Não sei descrever bem o que senti. Há qualquer coisa naquele momento em que o motor desperta, suave, e se passa do repouso à fluidez — como se o corpo ganhasse um compasso novo, sem sobressalto. Nos semáforos, a pausa deixa ver tudo: os passos apressados de quem atravessa, as fachadas antigas que respiram histórias, o reflexo da luz nos paralelepípedos. E no meio disso, eu — parado, mas por dentro a mover-me. Talvez venha do facto de que não estou apenas a viver a cidade, estou a sentir-me parte dela, quase como se fosse um fio condutor entre o urbano e o humano.

Há uma tranquilidade estranha nisto. Uma calma que não vem do silêncio, mas no estar atento. Talvez a scooter não me transporte apenas pelos caminhos da cidade, mas por dentro dela. Talvez me transporte, sem eu perceber, também por dentro de mim. É algo que muitos motociclistas sentem mas raramente verbalizam: é uma espécie de meditação em movimento. O motor vibra, o mundo abranda, e de repente tudo ganha outro ritmo — não é o da cidade, nem o teu, é um compasso novo que só se encontra ali, entre o semáforo e o arranque suave.

E é por isso que não consigo explicar. Talvez essa sensação exista precisamente porque não precisa de ser compreendida — apenas sentida. Estou atento às pessoas, aos edifícios, aos sons, às pequenas pausas — e isso é raro, precioso. A mota, neste contexto, não é apenas um meio de transporte. É um ponto de equilíbrio entre o que és e o que te rodeia. Porque há coisas que não se dizem — apenas se vivem, entre semáforos e silêncios.