Andar de mota na chuva

Andar de mota é sempre tranquilo, onde me encharco de solidão, onde o cuidado e a preocupação é lavada pela feitiçaria mecânica e a mente pela corrente de ar. Nunca andei tanto debaixo de chuva como neste inverno!
Pode vir o clima incerto, cinzento e escuro, e as manhãs de neblina gélida. Nas minhas últimas deslocações penso na quantidade de vezes em que estive debaixo de mau tempo e que em nenhuma vez isso se transformou num motivo para me demover física e mentalmente de sair na scooter.
A tranquilidade de andar em estrada molhada, mesmo com chuva torrencial, apura-me os sentidos, aumenta-me o foco e a adrenalina, evitando a instabilidade e a aquaplanagem. É uma sensação de que o mundo se reduziu a elementos básicos.
São tempos em que me cruzo com poucos ou nenhuns motociclistas. O incómodo de se terem de preparar para andar à chuva demove a larga maioria dos motociclistas de andar na estrada e leva-os a usar outros meios de transporte. A maioria expressa preocupação com o perigo das estradas molhadas e visibilidade reduzida.
Sou uma pessoa imensamente observadora e, sinceramente, devo dizer que acho que a scooter é de facto mais visível no cinza de baixo contraste deste tipo de clima, onde as luzes da mota mais se destacam. Não presenciei nenhuma evidência de que quem circulava na estrada não me via. Antes pelo contrário, esse tipo de evidência é mais comum nos dias em que o sol corre o mundo e brilha diretamente nos olhos.
Pode chover forte, o fato impermeável que comprei no Leroy Merlin dá bem conta do recado. Não sinto mais que umas batidas massajadoras. Além da proteção que oferece da chuva ainda me protege do frio, assim como o passa-montanhas (ou balaclava) térmico que me aquece a cabeça e o pescoço, evitando a entrada de vento. Não dispenso ainda as minhas luvas Onex, que de resto me têm surpreendido com a sua capacidade impermeável e de proteção do vento, de tal forma, que neste inverno ainda não tive securas ou frieiras nas mãos. O meu equipamento de inverno resume-se apenas e só a esta indumentária, além do uso de um capacete integral.
Para quem esteja a pensar em andar na chuva tal como eu, ofereço algumas sugestões: andem mais devagar, especialmente nas curvas e onde não há certeza de como é a superfície da estrada. Estudem a rota que pretendem percorrer de modo a que não sejam levados a atingir velocidades em que não se sintam confortáveis. Cada chuva é diferente e também o tipo de pavimento. Há muita coisa na estrada que fica escorregadia quando se mistura com a água de chuvas menos intensas. A regra principal é desacelerar. Alguns procuram o pneu perfeito para o piso molhado, procuram uma solução tecnológica para o clima em vez de eles próprios fazerem ajustes na condução de forma consciente. Não há nenhum pneu disponível que permita andar em estradas molhadas como se andássemos em estradas secas. Só precisamos de desacelerar, substituir o desejo de nos inclinarmos fortemente e sair das curvas com força usando a parte mais exterior da borracha dos pneus. Se houver necessidade, temos de ter paciência e esperar que as condições melhorem. Uma das vantagens de se andar sozinho é que o nosso ego não está em jogo e também não arrastamos mais ninguém para lá dos seus limites.
Observando as nuvens a passarem e a escuridão à distância, pergunto-me o que me faz sair em dias em que a maioria dos motociclistas preferem evitar. Talvez uma experiência mais intensa, sentindo-me vivo e mais feliz!
Da última vez em que fui trabalhar debaixo de um temporal, um colega disse-me que eu só podia ser maluco em ir trabalhar de mota naquelas condições. Mas eu estava seco e estacionado dentro da empresa, enquanto que ele, estava molhado de ter vindo do estacionamento mais distante que arranjou para o carro. De facto, prefiro ser maluco!